domingo, 28 de dezembro de 2014

Porque Lendas não morrem


Se ligou no “tio” ali na foto?

Esse senhor foi o responsável pela música popular como a conhecemos hoje, principalmente no que diz respeito a método de gravação. Les Paul foi o inventor do sistema de gravação em multicanais, além de ter desenvolvido a guitarra elétrica de corpo sólido, criando, junto com a Gibson, a lendária guitarra que leva seu nome. E, como se não bastasse, um músico ímpar, que realizou obras memoráveis, seja solo, em grupos ou ao lado de Mary Ford, com quem, certamente, realizou suas gravações mais conhecidas

Les Paul e Mary Ford

Assisti, no canal Bis, um documentário que conta a história dessa lenda absoluta, com depoimentos do próprio e de alguns ídolos nossos, como Paul McCartney, Jeff Beck, Bonnie Raitt, enfim, músicos cuja excelência da obra deve muito a tudo que Les Paul fez antes. E, o que é mais fascinante, mostra um artista ainda com “tesão” pelo seu ofício, ainda em atividade, mesmo aos 90 anos de idade (o documentário é de 2007)!


Les Paul nos deixou em 12 de agosto de 2009. O homem se foi, mas sua obra e legado o tornaram eterno. 
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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Jack Bruce além do Cream

No último sábado (25/10) perdemos um dos músicos mais importantes não só da História do rock, mas da História da música no Século XX: Jack Bruce. E algo que me chamou atenção – embora não tenha me surpreendido – é que muito se falou no trabalho que ele realizou com o Cream, e praticamente nada foi dito sobre seus discos solo. Claro, falar sobre Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker é  “chover no molhado”; o Cream foi um dos power trio mais importantes a aparecerem ali na segunda metade da década de 1960, junto do Experience de Jimi Hendrix. Mas Jack Bruce também lançou discos seminais como artista solo, trabalhos que mostram um artista que não se acomodou com o “status” de “rock star”, mas que sempre se mostrou inovador nas suas criações, seja dentro da seara rock-pop ou até mesmo dentro do jazz, como veremos. Uma carreira impecável, que se estendeu até seu último ano de vida.

Aqui, vou jogar um pouco de luz sobre os primeiros discos, lançados entre 1969 e 1977, e que definiram seu estilo e identidade artística dali em diante.


Songs For A Taylor (1969)


Primeiro disco lançado por Bruce (embora não o primeiro a ser gravado, como veremos a seguir) e que saiu no mesmo tempo em que uma gravação ao vivo de “Crossroads” estourava no Top 30 e o clássico único álbum do Blind Faith chegava às lojas. Esse disco mostra uma face da música de Bruce diferente de seu trabalho com o Cream, menos “hard”, menos “blues”, canções mais concisas e boas pitadas jazzísticas nos arranjos.  E essa sofisticação sonora maior se deve, além da performance brilhante de Jack Bruce nos vocais, piano e baixo, à participação de músicos como Chris Spedding, Dick Heckstall-Smith e Jon Hiseman, além da participação de George Harrison (sob o pseudônimo “L’Angelo Misterioso”) na faixa de abertura do LP. E é o disco que contém duas joias do repertório de Bruce, “Theme For An Imaginary Western” (que também ganhou ótimas versões do Mountain e do Colosseum) e “Rope Ladder To The Moon”. O primeiro tiro, e na mosca!


Fico imaginando o susto que um desavisado fã do Cream deve ter tomado, em 1970, ao pousar a agulha sobre os sulcos desse vinil. Gravado em agosto de 1968, mas lançado dois anos depois, o papo aqui é o mais puro jazz, com influências fortes de be-bop, hard bop e afins, idioma esse que Jack Bruce conhecia, e bem, desde os tempos de pré-adolescente (tanto que, alguns dos temas apresentados no LP, foram compostos por ele quando tinha apenas 11 anos de idade!). Acompanhado também por Hiseman e Heckstall-Smith, além da presença luxuosa de John McLaughlin, Jack Bruce “ligou o foda-se” lindamente, cometendo seu trabalho mais descompromissado e livre artisticamente. Uma obra-prima!


Harmony Row (1971)


Como obra autoral eu prefiro Harmony Row a Songs For A Taylor. Todas as canções foram escritas numa tarde. Eu apenas sentei ao piano com um baseado e gravei minhas ideias num gravador”, disse certa vez Jack Bruce.

Harmony Row  foi a continuação natural do Songs For A Taylor, com canções mais diretas, mas, ao mesmo tempo, extremamente elaboradas em arranjos, melodias e harmonias. E, o grande trunfo desse disco é que, ao mesmo tempo que seu conteúdo é extremamente sofisticado, não é um disco “difícil”. E’ daqueles que fisgam o ouvinte logo na primeira audição. Isso se deve também ao teor emocional e pessoal desse LP, presente da arte gráfica às músicas. Todo o conceito gira em torno da Glasgow natal de Bruce (o título do disco, inclusive, é o nome de uma rua do bairro onde Jack nasceu). Jack Bruce simplesmente arrebenta nos vocais, piano, baixo (como sempre!) e órgão, acompanhado de John Marshall na bateria e Chris Spedding na guitarra. Mais uma vez, uma obra-prima absoluta.


Out Of The Storm (1974)


Em 1972 e 1973, Jack Bruce se juntou a Leslie West e Corky Laing, egressos do Mountain, e formou com eles o trio West, Bruce & Laing, retornando ao hard rock que lhe rendeu fama e dinheiro nos tempos do Cream e dando início à fase mais hedonista/ porra louca/ “cabeleira alta” da sua vida. Nosso herói só voltaria a gravar um trabalho solo em 1974, com esse “Out Of The Storm”.

Nesse disco, temos um Jack Bruce meio progressivo,meio AOR, em alguns momentos lembrando as experiências do Steely Dan em discos como The Royal Scam e Aja. Aqui, Jack é acompanhado de Steve Hunter na guitarra e Jim Gordon na bateria, além da participação de Jim Keltner também na bateria, em alguns momentos.

E é mais um disco onde Jack Bruce busca inovações para a música e para a sua música. Porém, essas inovações nunca se traduziram em sucesso e vendagem de discos. Ao mesmo tempo em que Eric Clapton, seu colega de gravadora, vendia milhões de cópias do seu 461 Ocean Boulevard, Out Of The Storm sequer arranhou o top 100 da Billboard.


How’s Tricks (1977)



Após uma temporada tocando em um projeto com Mick Taylor, Jack Bruce reuniu uma nova banda em 1976 com os então novatos Hughie Burns (guitarra), Tony Hymas (teclados) e Simon Philips (bateria) para registrar um novo trabalho solo, que só sairia em março de 1977.

Desses  primeiros discos, esse talvez seja o mais  “roqueiro” e direto ao ponto. Músicas como “Waiting For The Call”, “Mad House” e a faixa título poderiam muito bem fazer parte do repertório do Cream, ao mesmo tempo que “Lost Inside A Song”, “Without A Word” e “Outsiders” seguem o conceito do trabalho anterior. Um grande álbum, que ainda merece ser mais ouvido e ter seu valor reconhecido.



Dos anos 1980 até a década atual, Bruce seguiu tocando e produzindo, seja solo ou em parceria com músicos como Robin Trower, Gary Moore, Billy Cobham e John McLaughlin. Sempre íntegro, às vezes nem tão inovador, mas sempre interessante de ouvir. Pra quem quiser saber mais sobre Jack Bruce, biografia, discografia completa etc. segue um bom link: http://allmusic.com/artist/jack-bruce-mn0000152312. Também recomendo a ediçao 44 da Poeira Zine, com matéria de capa excelente do Bento Araújo. Ela pode ser adquirida por aqui: http://www.poeirazine.com.br/loja/numero-44/



Thank you for the music, Jack. God bless you.

sábado, 25 de outubro de 2014

Jack Bruce (1943 - 2014)

No mesmo dia em que lembramos os 10 anos da morte de John Peel, recebo outro "soco no estômago": a morte de Jack Bruce, um dos maiores baixistas, músicos, artistas que já tivemos. E' isso, o Século XX virando apenas História. 
O texto do G1 nao diz, mas a carreira do Jack Bruce vai além do Cream. O power-trio foi importantíssimo, mas Bruce lançou discos seminais em carreira solo e com outros grupos. Perda irreparável, e um buraco que nao vai se preencher. :,(


:(

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A forra do vinil

Com essa, a indústria não contava - Por Arthur Dapieve



Não, crianças, a grande subversão na reprodução da música gravada não foi a popularização do MP3 ou outros arquivos digitais. O que a indústria fonográfica perde com downloads gratuitos é troco perto do que ela ainda ganha e, sobretudo, ainda almeja ganhar com a venda on-line. Ou alguém acha que a Apple, dona do iTunes, é uma instituição de caridade? Não, é capitalismo tao avançado que vende o capitalismo como estilo de vida libertário. A grande subversão, então, foi a sobrevivência dos LPs.

Com isso, sim, a Indústria Cultural, o Sistema, a Mídia, a Grande Imprensa — ou qualquer outra dessas designações paranoicas que subestimam a capacidade de o indivíduo fazer escolhas e pensar por si próprio — não contava. Era para o CD ter transformado o LP em celacanto, sobrevivente das profundezas. Era para o MP3 ter transformado o CD em Tiranossauro Rex, outrora poderoso, hoje morto de pedra. A história, porém, não foi essa. O bolachão preto está mais forte agora do que estava há vinte anos. E, suspeito, o disquinho prateado também jamais irá desaparecer.

Pesquisa encomendada pela revista “Billboard” sobre o mercado fonográfico americano, o maior da Terra, revelou que no primeiro semestre de 2012, a venda de discos de vinil cresceu 14,2% em relação ao mesmo período do ano passado, contra um aumento de 13,8% dos álbuns digitais e uma queda de 11,3% dos
CDs. O capitalismo pode até já estar se reorientando diante desses dados (afinal, a capacidade de adaptação é a chave de sua sobrevivência), mas o buraco da faca continua bem ali, nas suas costas.

Lá por 1992, nem executivos nem consumidores casuais apostariam um centavo na sobrevivência do LP frente ao CD. Era suporte caro de produzir, difícil de carregar, necessitado de cuidados e dependente de aparelhos de reprodução mais caros. Apenas os colecionadores e um ou outro comerciante intuíram que a história não terminaria aí. Lembro-me de Pedro Passos, da Modern Sound, mostrando o “bunker” do subsolo onde haviam se refugiado os LPs. Ele acreditava que, cedo ou tarde, aquilo constituiria um tesouro. Infelizmente, a sua clarividência não bastou para evitar o fechamento da loja.

Durante muito tempo, era quase impossível achar um lançamento musical feito também em vinil e, mais até, achar toca-discos e agulhas para reproduzir discos antigos. Quando meu aparelho quebrou, passei anos sem ter onde ouvir meus LPs — mas incapaz de me desfazer da maior parte deles, inclusive por razões sentimentais. Finalmente, decidi desembolsar uma quantia considerável por um Gradiente usado, comprado, claro, na saudosa Modern Sound. Embora (ainda?) não se encontrem toca-discos em redes de eletrodomésticos do Brasil, hoje está mais fácil encontrá-los, bem como os novos álbuns em vinil.
Haja vista uma matéria de capa recente na revista “Rio Show”.

Como ou por quê, contra quase todos os prognósticos, o bolachão sobreviveu? Graças, certamente, aos colecionadores, que sustentaram as pequenas gravadoras que lançavam joias de 180 ou até 220 gramas (o peso do disco influencia a qualidade do som). Acredito, entretanto, que quem salvou mesmo o LP foi a cultura dos DJs, com suas mesas e seus scratchs. Assim como os árabes preservaram os clássicos gregos durante a Idade Média, foram os DJs que tomaram conta do vinil até a sua renascença.

A pesquisa encomendada pela “Billboard” é nova, mas seu resultado não é nada surpreendente. Cinco anos atrás, quando a última fábrica de LPs do Brasil, a Polysom, estava fechando (seria comprada e reaberta por João Augusto, da Deckdisc), o resto do planeta já testemunhava o aumento do espaço destinado ao vinil nas lojas sobreviventes. Quando deixaram de ser um fenômeno apenas na internet e chegaram ao primeiro disco, em 2006, os Arctic Monkeys espantaram os lojistas da sua Grã-Bretanha: “Whatever people say I am, that’s what I’m not” vendeu mais como LP do que como CD.

Sinal de que o vinil não era só o fetiche de velhos nostálgicos ou o material de trabalho de profissionais da noite, mas também tinha apelo para jovens ouvintes em busca de uma relação diferente com a música. Pela má qualidade média dos arquivos digitais e pela disseminação dos tocadores, o MP3 praticamente exige a audição apressada, individual, com fones. Pela pressão sonora e pelo aparato necessário, o vinil pede, se não uma reunião de amigos, uma cerimônia caseira, vagarosa. Pôr um LP no prato e em menos de
meia hora trocá-lo de lado implica prestar atenção no que se está a fazer. Ou seja, em nossos tempos corridos, era mesmo para o LP ter desaparecido.

No romance “Juliet, nua e crua” (2009), Nick Hornby escreveu que o MP3 guarda uma relação mais pura e poética com a música gravada, enfim libertada de lastros materiais. É uma visão interessante, embora, na prática, a maioria das pessoas use o arquivo digital como trilha sonora do cotidiano, a música de fundo da limpeza da casa ou da malhação. Além disso, um arquivo digital não se toca sozinho, sem a concretude do iPod ou do computador. Certo, crianças, a praticidade do CD não raro também o tornava parte da paisagem, apesar de ele ainda ser imbatível para reproduzir a dinâmica da música clássica, por exemplo. Já o LP... Ele transforma a música no centro da vida.

(Publicado originalmente no Segundo Caderno do jornal O Globo, ediçao de 27 de julho de 2012.)

domingo, 12 de outubro de 2014

Trilhas de novelas



Antes de ficar ofendido quando (e se) alguém te chamar de "noveleiro", vire o jogo e diga que, sim, as novelas têm seu valor: as trilhas sonoras fantásticas das décadas de 60 e 70. - por Ronaldo Evangelista

Hoje em dia é tudo tao chato e burocrático que é até difícil imaginar uma época em que as trilhas de novelas da Globo eram algo legal. Mas houve um período em que tudo era boas ideias e resultados divertidos. As novelas no Brasil surgiram quase junto com as redes de televisão, no começo dos anos 50, mas assumiram o formato que conhecemos hoje - diárias, produzidas em videotape - nos anos 60. Ao mesmo tempo, naturalmente, foram se testando fórmulas e desenvolvendo suas trilhas. A partir de 1965 algumas saíam até em disco, geralmente um compacto com sua música-tema. Um dia, alguém juntou 2 mais 2 e viu o potencial daquilo - e o resultado é um monstro da indústria fonográfica brasileira que resiste até hoje. Mas, onde atualmente há o jogo de marketing que funciona na equação-Tostines - entra na trilha quem faz sucesso, faz sucesso quem entra na trilha - ,antes havia a simples despretensão de fazer, e o sucesso seria simplesmente consequência. E' uma história de grandes artistas, grandes compilações e grandes valores, contada através de grandes discos.

DISCOGRAFIA

***** Véu De Noiva (Philips, 1969)
****   Verão Vermelho (Philips, 1970)
****   Pigmaliao 70 (Philips, 1970)
****   Irmãos Coragem (Philips, 1970)

Antes, as emissoras pegavam músicas do momento, geralmente instrumentais, para funcionar como trilha em suas novelas. Em algumas tramas, personagens ganhavam uma música-tema com vocal e letra, mas era o reaproveitamento de algum hit. Tudo mudou quando o homem de gravadora André Midani, então na Philips, teve a ideia: por que não colocar seus artistas para para compor e cantar especialmente para as novelas? Seria propaganda gratuíta para eles na TV, a Philips ganharia vendendo os discos e seria só dar uma porcentagem das vendas para a Rede Globo. A primeira experiência aconteceu em 1969 com Véu De Noiva. O então jovem produtor da Philips Nelson Motta foi o arregimentador. Resultado: as até hoje clássicas "Teletema" (de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, inspirada na canção-tema do filme Um Homem e Uma Mulher) e "Azymuth" (de Marcos Valle, que deu origem à banda homônima), além da inédita "Irene", de Caetano.  Foi um sucesso, e na sequência vieram Verão Vermelho (com Elis Regina, Roberto Menescal, Luiz Eça), Pigmaliao 70 (Erlon Chaves, Wilson das Neves) e Irmãos Coragem (Tim Maia, Jair Rodrigues, Joyce), entre outras, sempre com faixas inéditas - feitas para a trilha ou ainda não lançada oficialmente pelos artistas.

***** O Cafona (Som Livre, 1971)
****   Minha Doce Namorada (Som Livre, 1971)
****   O Homem  Que Deve Morrer (Som Livre, 1971)
****   Bandeira 2 (Som Livre, 1971)

"Vocês já repararam quanto dinheiro a Philips ganha com as trilhas de nossas novelas?", deve ter perguntado alguém na Globo. E com razão: o fenômeno das trilhas sonoras nascia com força total, dominando as listas de mais vendidos no Brasil graças à divulgação maciça no horário nobre. Não foi difícil para a maior rede de TV nacional ter a ideia: criar sua própria gravadora e produzir as trilhas. Bastou esperar o contrato de um ano com a Philips acabar e botar a mão na massa. Só havia um problema: a Philips proibiu seus artistas de participar das tais trilhas da recém-criada Som Livre. Como a Philips era então a maior gravadora do país, o selo da Globo teve de se virar. Ressuscitaram a carreira do cantor dos anos 50 Betinho* (aquele de "Neurastênico"), botaram o irmão do Marcos Valle pra cantar, escalaram as atrizes Marília Pêra e Ilka Soares para soltar as vozes, criaram a banda O Som Livre e a Orquestra Som Livre - e funcionou. Logo em O Cafona, resolveram testar nova ideia: versão internacional da trilha. Mas a melhor sacada de todas ainda estava por vir.

***** O Primeiro Amor (Som Livre,  1972)
***** Selva de Pedra (Som Livre, 1972)
***** O Bofe (Som Livre, 1972)
****   O Bem-Amado (Som Livre, 1973)
****   Cavalo de Aço (Som Livre, 1973)
****   Os Ossos do Barão (Som Livre, 1973)
***** Semideus (Som Livre, 1973)
***** Supermanoela (Som Livre, 1974)
****   O Rebu (Som Livre, 1974)

Era tao simples e tao genial que é de espantar que não tenham pensado nisso antes. Em vez de simplesmente compilar interpretaçoes de canções de vários autores, por que não convidar um (ou uma dupla, como veremos) para compor a trilha inteira, toda cantada por diferentes intérpretes? Quem estreou o conceito foi a dupla sambista-jóia Antonio Carlos & Jocafi na novela O Primeiro Amor. Na sequência, seguiram os irmãos Marcos e Paulo Sergio Valle e a trilha de Selva de Pedra, com a clássica "O Beato". Roberto e Erasmo Carlos vieram atrás com a fantástica trilha de O Bofe e depois o arranjador Guto Graça Mello e o letrista Nelson Motta fizeram Cavalo de Aço. A então nova dupla Vinicius e Toquinho se debruçou sobre a trama de O Bem Amado para musicá-la, e Baden Powell e Paulo Cesar Pinheiro fizeram música e letra para o Semideus - hoje, item raro na discografia de Baden. Marcos e Paulo Sergio Valle reprisaram sua participaçao com Os Ossos Do Barão, assim como Antonio Carlos & Jocafi com Supermanoela. Raul Seixas e seu então parceiro em fase pré-literatura-pop-mágica Paulo Coelho criaram as faixas de O Rebu. Era o fim da curta fase de ouro das trilhas, mas havia muito a acontecer.

****   Estúpido Cupido (Som Livre, 1976)
***     Locomotivas (Som Livre, 1976)
***** Te Contei? (Som Livre, 1978)     
****   Dancin' Days (Som Livre, 1978)

Estúpido Cupido foi uma das novelas mais famosas do seu tempo, daquelas lembradas até hoje com nostalgia. O principal motivo disso: o clima retrô generalizado e a trilha sonora, já que a trama se passava nos anos 60 e a cantora Celly Campello era inclusive incorporada à história. Desse conceito nasceu a primeira trilha temática da Globo, toda composta de músicas de dez, quinze anos antes. "Banho de Lua" e "Biquini Amarelo" se tornaram hits nacionais e a trilha quebrou recordes, com 1 milhão de cópias vendidas. No ano seguinte, Locomotivas não era tao temática, mas sua trilha já assimilava as influências da black music que dominavam o Brasil - inclusive com "Maria Fumaça", da Banda Black Rio, como música de abertura. Seguindo o mesmo conceito, a trilha de Te Contei? estava antenada com o momento e funciona até hoje como uma das melhores coletâneas de disco music brasileira de todos os tempos. Dancin' Days, novela que tomava a estética disco para si, tinha efeito similar, mas ainda misturava algumas coisinhas. Tudo tao forte que a trilha bateu novo recorde: 1 milhão e meio de cópias. Depois disso, o único caminho era para baixo.

**   Rei do Gado 2 - Pirilampo e Saracura (Som Livre, 1996)
**   Laços de Família (Som Livre, 2000)
*** Celebridade Samba (Som Livre, 2003)

Tirando fugazes exceções, as novelas não foram mais tao impactantes, as trilhas não mais importantes. Até Rei do Gado, de 1996. A sertaneja novela tinha uma sertaneja trilha - numa época em que o estilo estava ainda forte no país. A trilha foi a primeira a vender 1 milhão e meio de cópias em quase 20 anos. Os personagens Pirilampo (Almir Sater) e Saracura (Sérgio Reis) se tornaram tao populares que participaram do especial de fim de ano de Roberto Carlos na Globo e ganharam uma segunda trilha, em que interpretavam clássicos da música caipira. Era a volta modernizada das trilhas temáticas, que encontraram seu maior expoente em Manoel Carlos e seu perene clichê praias-do-Rio-e-bossa-nova. Laços de Família, de 2000, tinha Astrud Gilberto, Skank e Caetano. A última grande trilha temática aconteceu em 2003, com Celebridade, que tinha o núcleo que frequentava o espaço sambístico Sobradinho, por onde passaram Zeca Pagodinho, Jorge Aragao, Martinho da Vila e Dudu Nobre, todos presentes na versão samba da trilha da novela.

15 FAIXAS ESSENCIAIS

1- Teletema - Regininha (1969)
2- Azymuth- Apolo VI (1969)
3- Shirley Sexy - Marilia Pêra (1971)
4- Lucia Esparadrapo - Betinho (1971)
5- O Beato - Marcos Valle (1972)
6- Porcelana, Vidro e Louça- Osmar Milito, Luna e Suza (1972)
7- Refém da Solidao - Maria Odete (1973)
8- Dona de Casa - Antonio Carlos e Jocafi (1974)
9- Como Vovó Já Dizia - Raul Seixas (1974)
10- Neurastênico - Betinho (1976)
11- Estúpido Cupido - Celly Campello (1976)
12- Maria Fumaça - Banda Black Rio (1976)
13- Black Côco - Painel de Controle (1978)
14- Dancin' Days - Frenéticas (1978)
15- Agora é Moda - Rita Lee (1978)

SAIBA MAIS: http://www.teledramaturgia.com.br/tele/home.asp

(Publicado originalmente na revista Bizz, ediçao 211, março de 2007, coluna "Guia de Compras")

*ERRATA: o Betinho que cantou nas trilhas da Som Livre NÂO É o mesmo Betinho de "Neurastênico". Trata-se de Francisco Roberto Cruz Ramos, cuja história pode ser conferida aqui.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Arte brasileira exposta em 10 polegadas

Os primeiros passos e rabiscos dos capistas da terra do samba - Por Egeu Laus*

Em janeiro de 1951, foi lançado no Brasil o primeiro disco fonográfico de 33 rotaçoes e 1/3 por minuto, inaugurando um formato que revolucionou a maneira de ouvir, produzir e distribuir música no país. A era do long-playing, o popular LP, começava.

Lançada pela americana Columbia, em 1948, duas tecnologias novas se uniam naquele momento: o suporte fonográfico (o disco), que passava a ser produzido em vinil; e a tecnologia de gravaçao em microssulco, que diminuía a rotaçao dos discos para menos da metade dos 78 de entao.

Com a possibilidade de inserir oito a 12 músicas num disco, em vez das duas dos tempos do 78 rpm, mudanças importantes aconteceram: o surgimento da "obra" musical, com cançoes unidas por um mesmo conceito, e uma novidade que construiria uma nova cultura para o ouvinte: a capa de discos.

No Brasil, onde a arte ligada à música existe há meros 50 anos, é impressionante o nível atingido. Nao à toa, no final dos anos 80, a conceituada revista americana Print, especializada em artes gráficas, editou número especial sobre o design gráfico brasileiro, com destaque para as capas de discos.

No primeiro período, o LP nacional era o vulgo "10 polegadas", com 25 centímetros de diametro e quatro faixas de cada lado. O formato desapareceu em 1958 e deu espaço ao LP, que existe até hoje: 12 polegadas de diametro (31 centímetros) e 6 faixas, em média, em cada lado.

Mas o fato é que em 1951 tudo ainda engatinhava. O primeiro LP lançado pela Sinter (distribuidora da Capitol americana), Carnaval da Capitol, era uma compilaçao para as festas daquele ano. Seu desenhista, Paulo Breves, se tornou o primeiro capista de discos do Brasil. Ele também ilustrou Parada de Sucessos, em 1952, e continuou ativo até a década de 1960 na gravadora, que mudou várias vezes de nome e hoje atende por Universal.

As primeiras capas costumavam exibir ilustraçoes, já que grande parte dos discos era de compilaçoes de sucessos já lançados em 78 rpm (formato que resistiu até 1964). E, quando falamos em "capas", era só isso mesmo. As contracapas nao faziam parte do trabalho do capista (encartes e envelopes seriam produzidos apenas na década de 1970). e nao havia projeto gráfico integrado. Contudo, trabalhos magníficos foram produzidos, como o de Lan para a A Velha Guarda, de Pixinguinha, com Donga, Joao da Bahiana e Almirante (pela Sinter) em 1954.

os artistas plásticos foram bastante atuantes naquela década, principalmente em torno do intelectual Irineu Garcia, da gravadora Festa, considerado o primeiro selo "independente" do Brasil. Atos Bulcao, Lygia Clarck e Darcy Penteado foram alguns dos que ilustraram os discos de poesia da Festa, como o de Cecilia Meireles e Guilherme de Almeida, de 1955, feito por Di Cavalcanti. Mais adiante, a novidade foi a utilizaçao de fotos produzidas em estúdio, pelas maos da célebre dupla Joselito (design) e Mafra (fotografia), da gravadora Musidisc.


*Egeu Laus é designer e pesquisador da memória gráfica brasileira

(Publicado originalmente na revista Bizz, ediçao especial "100 Maiores Capas De Discos De Todos Os Tempos", maio de 2005)

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O Responsável

Eis o homem que inventou as capas de disco





















Uma bela tarde de 1939, o desenhista nova-iorquino Alex Steinweiss - que, havia dois anos, trabalhava como assistente do pintor austríaco Joseph Blinder - conseguiu uma reuniao com a diretoria da Columbia Records. Aos 23 anos, rechonchudo e com um sorriso permanentemente estampado no rosto, Steinweiss queria convencer a direçao da gravadora a assumir uma idéia dele: as capas de disco.



A Columbia, a mais antiga gravadora do mundo (fundada em 1888), havia sido recém-comprada pelo grupo CBS e estava mesmo atrás de novidades. Até entao, os discos iam para as lojas em envelopes padronizados de papel kraft, quadrados de 10 polegadas, com o logotipo da gravadora estampado e o título e intérprete da obra tipografados identicamente. Steinweiss levou algumas amostras de seu trabalho e defendeu que cada disco poderia ter uma capa própria, com desenhos exclusivos que remetesses à música nele gravada. O povo da Columbia adorou e Alex Steinweiss saiu da reuniao como o primeiro diretor de arte de uma companhia de discos.























(alguns dos trabalhos de Steinweiss)



Nascido em 1917, Steinweiss vinha de uma turma de prodígios que incluía Gene Frederico, Seymour Chwast e William Taubin - todos estudavam na Abraham Lincoln de Nova York e tiveram a veia artística incentivada pela direçao da escola. Steinweiss publicou sua primeira ilustraçao aos 17 anos, na PM Magazine. Depois de concluir a Parson School Of Design, conseguiu um estágio no estúdio de Binder, que acabara de chegar à América. Dali para a invençao das capas de disco, bastaram dois anos.



Quando Steinweiss estreou na Columbia, o formato-padrao era o dos velhos "bolachoes" de 10 polegadas e 78 rpm. Como eles armazenavam pouco tempo de música gravada de cada lado, óperas e peças clássicas tinham de ser desmembradas em diversos discos, acomodados em uma única embalagem - vem daí a expressao "álbum musical", usada como sinônimo para "disco cheio". O primeiro trabalho de Steinweiss foi um "álbum", Smash Song Hits By Rodgers And Hart, um enorme sucesso de vendas. Seu trabalho, cheio de ícones do folclore americano, elementos geométricos e um traço delicado e romantico, marcou tanto sua época que até hoje é usada a fonte Steinweiss Scrawl, criada por ele e fartamente imitada.



No final dos anos 40, a Columbia introduziu o formato long-playing, o LP, em seu formato maior (12 polegadas), que permitia um trabalho gráfico mais apurado. Para o lançamento do produto, Steinweiss elaborou um esquema de dobras para as capas que se tornaria padrao em todo o mundo.



Àquela altura, Steinweiss estava se distanciando da Columbia. Depois de servir à Marinha desenhando pôsteres, fez ilustraçoes para revistas e grandes empresas - incluindo os selos Decca e Everest. Desde 1974, vive na cidade de Sarasota, Flórida, praticamente anônimo de sua condiçao de inventor das capas de disco.



(Texto publicado na revista Bizz, ediçao especial "As 100 Maiores Capas De Disco De Todos Os Tempos", maio de 2005)




Uma atualizaçao: Steinweiss faleceu em 17 de julho de 2011, aos 94 anos.