quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Jack Bruce além do Cream

No último sábado (25/10) perdemos um dos músicos mais importantes não só da História do rock, mas da História da música no Século XX: Jack Bruce. E algo que me chamou atenção – embora não tenha me surpreendido – é que muito se falou no trabalho que ele realizou com o Cream, e praticamente nada foi dito sobre seus discos solo. Claro, falar sobre Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker é  “chover no molhado”; o Cream foi um dos power trio mais importantes a aparecerem ali na segunda metade da década de 1960, junto do Experience de Jimi Hendrix. Mas Jack Bruce também lançou discos seminais como artista solo, trabalhos que mostram um artista que não se acomodou com o “status” de “rock star”, mas que sempre se mostrou inovador nas suas criações, seja dentro da seara rock-pop ou até mesmo dentro do jazz, como veremos. Uma carreira impecável, que se estendeu até seu último ano de vida.

Aqui, vou jogar um pouco de luz sobre os primeiros discos, lançados entre 1969 e 1977, e que definiram seu estilo e identidade artística dali em diante.


Songs For A Taylor (1969)


Primeiro disco lançado por Bruce (embora não o primeiro a ser gravado, como veremos a seguir) e que saiu no mesmo tempo em que uma gravação ao vivo de “Crossroads” estourava no Top 30 e o clássico único álbum do Blind Faith chegava às lojas. Esse disco mostra uma face da música de Bruce diferente de seu trabalho com o Cream, menos “hard”, menos “blues”, canções mais concisas e boas pitadas jazzísticas nos arranjos.  E essa sofisticação sonora maior se deve, além da performance brilhante de Jack Bruce nos vocais, piano e baixo, à participação de músicos como Chris Spedding, Dick Heckstall-Smith e Jon Hiseman, além da participação de George Harrison (sob o pseudônimo “L’Angelo Misterioso”) na faixa de abertura do LP. E é o disco que contém duas joias do repertório de Bruce, “Theme For An Imaginary Western” (que também ganhou ótimas versões do Mountain e do Colosseum) e “Rope Ladder To The Moon”. O primeiro tiro, e na mosca!


Fico imaginando o susto que um desavisado fã do Cream deve ter tomado, em 1970, ao pousar a agulha sobre os sulcos desse vinil. Gravado em agosto de 1968, mas lançado dois anos depois, o papo aqui é o mais puro jazz, com influências fortes de be-bop, hard bop e afins, idioma esse que Jack Bruce conhecia, e bem, desde os tempos de pré-adolescente (tanto que, alguns dos temas apresentados no LP, foram compostos por ele quando tinha apenas 11 anos de idade!). Acompanhado também por Hiseman e Heckstall-Smith, além da presença luxuosa de John McLaughlin, Jack Bruce “ligou o foda-se” lindamente, cometendo seu trabalho mais descompromissado e livre artisticamente. Uma obra-prima!


Harmony Row (1971)


Como obra autoral eu prefiro Harmony Row a Songs For A Taylor. Todas as canções foram escritas numa tarde. Eu apenas sentei ao piano com um baseado e gravei minhas ideias num gravador”, disse certa vez Jack Bruce.

Harmony Row  foi a continuação natural do Songs For A Taylor, com canções mais diretas, mas, ao mesmo tempo, extremamente elaboradas em arranjos, melodias e harmonias. E, o grande trunfo desse disco é que, ao mesmo tempo que seu conteúdo é extremamente sofisticado, não é um disco “difícil”. E’ daqueles que fisgam o ouvinte logo na primeira audição. Isso se deve também ao teor emocional e pessoal desse LP, presente da arte gráfica às músicas. Todo o conceito gira em torno da Glasgow natal de Bruce (o título do disco, inclusive, é o nome de uma rua do bairro onde Jack nasceu). Jack Bruce simplesmente arrebenta nos vocais, piano, baixo (como sempre!) e órgão, acompanhado de John Marshall na bateria e Chris Spedding na guitarra. Mais uma vez, uma obra-prima absoluta.


Out Of The Storm (1974)


Em 1972 e 1973, Jack Bruce se juntou a Leslie West e Corky Laing, egressos do Mountain, e formou com eles o trio West, Bruce & Laing, retornando ao hard rock que lhe rendeu fama e dinheiro nos tempos do Cream e dando início à fase mais hedonista/ porra louca/ “cabeleira alta” da sua vida. Nosso herói só voltaria a gravar um trabalho solo em 1974, com esse “Out Of The Storm”.

Nesse disco, temos um Jack Bruce meio progressivo,meio AOR, em alguns momentos lembrando as experiências do Steely Dan em discos como The Royal Scam e Aja. Aqui, Jack é acompanhado de Steve Hunter na guitarra e Jim Gordon na bateria, além da participação de Jim Keltner também na bateria, em alguns momentos.

E é mais um disco onde Jack Bruce busca inovações para a música e para a sua música. Porém, essas inovações nunca se traduziram em sucesso e vendagem de discos. Ao mesmo tempo em que Eric Clapton, seu colega de gravadora, vendia milhões de cópias do seu 461 Ocean Boulevard, Out Of The Storm sequer arranhou o top 100 da Billboard.


How’s Tricks (1977)



Após uma temporada tocando em um projeto com Mick Taylor, Jack Bruce reuniu uma nova banda em 1976 com os então novatos Hughie Burns (guitarra), Tony Hymas (teclados) e Simon Philips (bateria) para registrar um novo trabalho solo, que só sairia em março de 1977.

Desses  primeiros discos, esse talvez seja o mais  “roqueiro” e direto ao ponto. Músicas como “Waiting For The Call”, “Mad House” e a faixa título poderiam muito bem fazer parte do repertório do Cream, ao mesmo tempo que “Lost Inside A Song”, “Without A Word” e “Outsiders” seguem o conceito do trabalho anterior. Um grande álbum, que ainda merece ser mais ouvido e ter seu valor reconhecido.



Dos anos 1980 até a década atual, Bruce seguiu tocando e produzindo, seja solo ou em parceria com músicos como Robin Trower, Gary Moore, Billy Cobham e John McLaughlin. Sempre íntegro, às vezes nem tão inovador, mas sempre interessante de ouvir. Pra quem quiser saber mais sobre Jack Bruce, biografia, discografia completa etc. segue um bom link: http://allmusic.com/artist/jack-bruce-mn0000152312. Também recomendo a ediçao 44 da Poeira Zine, com matéria de capa excelente do Bento Araújo. Ela pode ser adquirida por aqui: http://www.poeirazine.com.br/loja/numero-44/



Thank you for the music, Jack. God bless you.

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