sábado, 24 de outubro de 2015

Tesouros do Bacião V

O “Tesouro” de hoje é a história de dois músicos inovadores, gênios dentro de suas áreas de atuação, que fizeram trabalhos antológicos e que têm alguns pontos em comum e tantos outros bem distintos. E que, por um capricho do destino, não trabalharam juntos.

  Miles Davis (no fundo, à esquerda) e Gil Evans (mais à frente)

Gil Evans foi um dos maiores arranjadores da História do jazz e teve uma carreira bem longeva, que começou nos anos 1930 e seguiu até a sua morte, em 1988. Nascido em 13 de maio de 1912, no Canadá, Evans iniciou sua carreira em 1933, na Califórnia, já liderando sua própria big band. Nos início dos anos 40, Evans começou a ganhar fama como arranjador, nos seus trabalhos com a orquestra de Claude Thornhill e, também por essa época, já absorvia a influência do be-bop, estilo de jazz que começava a ser desenvolvido por nomes como Dizzy Gillespie, Charlie Parker e Miles Davis. E foi com Davis que Gil Evans fez seus trabalhos mais antológicos, tendo sido o responsável pelos arranjos e regências dos discos Miles Ahead (1957), Porgy And Bess (1958) e Sketches Of Spain (1960), clássicos absolutos e fundamentais em qualquer coleção de respeito. E, outro ponto em comum entre Miles Davis e Gil Evans é a busca constante pela inovação. Assim como Davis, Evans também foi bem sucedido ao usar instrumentos elétricos e influência do rock nos arranjos da sua orquestra, a partir do final dos anos 60.


Jimi Hendrix teve uma vida muito curta (1942 – 1970), mas, no curto tempo de vida que teve, deixou um legado e uma influência que, até hoje, são sentidos. Hendrix iniciou sua carreira no início dos anos 60, acompanhando nomes como King Curtis e Little Richard, até se mudar para a Inglaterra em 1966, com Chas Chandler (ex-baixista do Animals que se tornara empresário). E, ali, deu início a sua revolução, ao montar a Jimi Hendrix Experience ao lado de Noel Redding (baixo) e Mitch Mitchell (bateria). Essa formação durou até 1969, quando Hendrix passou a ser acompanhado por outros músicos como Buddy Miles e Billy Cox (quando formou a Band Of Gypsys, que durou tempo sufciente apenas para uma apresentação no Fillmore East, no Reveillón de 1969, e que gerou o disco homônimo).

E dizer que Hendrix foi o “maior guitarrista de todos os tempos”, pra mim, é limitador, e não dá a real importância que ele teve na história da música. Hendrix simplesmente “reinventou” o instrumento, utilizando de vários efeitos, assim como também usou e abusou dos recursos de estúdio (que, na sua época, eram até bem limitados) para criar seu som. Assim como Gil Evans, foi um inovador.

Gil Evans – The Gil Evans Orchestra Plays The Music Of Jimi Hendrix (1974)  


Nos seus últimos dias de vida, Jimi Hendrix começava a criar interesse pela então nascente cena do jazz/ fusion. Nessa época, Miles Davis lançou seu Bitches Brew (1970), que misturava os improvisos do jazz com o peso e a eletricidade do rock. E outros nomes também começavam a seguir essa trilha, como John Mclaughlin (que tocou guitarra no Bitches Brew), Larry Coryell, Herbie Hancock entre outros que surgiriam ao longo daquela década. E, nesse interesse crescente de Hendrix, ele começou a conversar com Gil Evans, com a ideia de fazerem juntos um projeto, fosse um disco, ou uma apresentação ao vivo, unindo a fúria de sua guitarra com a orquestra de Evans que, nessa época, também enveredava pelos caminhos do fusion. Porém, o destino não quis que esse encontro acontecesse. Jimi Hendrix faleceu em setembro de 1970, antes que esse projeto se concretizasse.

Quatro anos depois, em 1974, Gil Evans toma para si a missão de levar a cabo esse projeto, em forma de tributo, escolhendo 9 composições de Hendrix e enriquecendo-as com seus arranjos e sua orquestra de 19 peças. E o resultado é espetacular, com Evans conseguindo a fusão perfeita da fúria e da eletricidade do som de Jimi Hendrix com o swing e o improviso do jazz. E, ao ouvir, ficamos imaginando como poderia ter sido, se Hendrix tivesse sobrevivido para gravar um disco com Gil Evans...   

Reedição de 1989.

Esse disco não chega a ser exatamente um item de “bacião”, mas a reedição em vinil, lançada em 1989, não é difícil de encontrar, com exemplares sendo vendidos a um preço médio de R$ 25,00, R$ 30,00 (edição brasileira). Com sorte, se acha até por menos. O original de época também é facilmente encontrável via Ebay, mas por um preço bem mais salgado. Enfim, seja qual for a edição, é um disco que vale muito a pena ter no acervo.



  

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Tesouros do Bacião IV


O “Tesouro” de hoje entra nos dois quesitos que utilizo nessa série: é um disco subestimado e é um disco que ainda se acha a preços muito camaradas nas lojas e sebos. Quando se fala em Jorge Ben (Jor), os discos que vêm à lembrança são seus primeiros discos pela Philips nos anos 60, ou o Bidu – Silêncio No Brooklin, que ele gravou para a Rozenblit em 1967, ou o Tábua de Esmeralda, clássico absoluto de 1974, entre outros igualmente cobiçados e que são vendidos a valores de “três dígitos” em suas edições originais. Porém, há um disco que é, curiosamente, ignorado pelos colecionadores em sua maioria, e que, pra mim, não deixa nada a dever aos outros álbuns citados.

Jorge Ben – 10 Anos Depois (1973)


Entre 1969, ano do seu retorno à Philips, e 1977, Jorge Ben lançou discos que se tornaram antológicos na História da música brasileira. Discos que entram em qualquer antologia de respeito do som brazuca, como o de 1969 (País Tropical), o Negro É Lindo (1971) o Ben (1972), o Africa Brasil (1977) etc. E, em 1973, Ben lança o 10 Anos Depois, que consiste de regravações de músicas já por ele consagradas. E, para se ter uma ideia de como esse disco é subestimado, a única fonte de informação a respeito dele que tenho é justamente o LP original – não existe informação nenhuma na internet sobre ficha técnica, músicos que participaram das gravações, história do disco etc. O máximo que encontrei, nas minhas pesquisas, foi a lista de faixas e uma ou duas linhas sobre o disco. Uma pena.

O ábum consiste de 7 “medleys”, com alguns dos sucessos de Jorge Ben até ali. E, o que faz desse disco tão especial, são os novos arranjos dados a essas músicas. Nessas regravações, elas ganharam um “punch”, virando uma espécie de “heavy samba-rock”. É, sim, um dos grandes itens da discografia do Jorge Ben, de um período inspiradíssimo de sua carreira e que merecia um lugar de mais destaque. Mais um “Tesouro” imperdível.



   

sábado, 17 de outubro de 2015

Teddy, o homem que “come e dorme vinil”


Nessa vida de fissurado em música, nós temos aquelas que são nossas fontes de informação. Tais fontes podem ser programas de rádio, revistas, sites da internet ou até mesmo aquele amigo mais chegado que, entre uma conversa e outra, vai te indicando discos, canções, artistas etc.

Há uns dois anos atrás, através de um post do Mauricio Valladares no seu site RoNcaRoNca, fui apresentado a um canal do You Tube chamado vinyliciousness, administrado por um certo Teddy. Os videos desse canal são, basicamente, o tal Teddy apresentando itens da sua coleção de discos, sejam novas aquisições, ou discos selecionados tendo um tema em comum. Bem, canais do You Tube e videos com esse teor existem aos baldes, mas esses videos têm um diferencial.

O diferencial é que o Teddy saca MUITO de música e MUITO dos discos que possui. A onda dele é, basicamente, jazz e avant-garde, mas de tempos em tempos ele também dá boas dicas de discos de rock, blues e soul. Todos seus videos são bem produzidos, recheados de informação cascudíssima e o Teddy tem um tremendo bom gosto (pros meus ouvidos, pelo menos, rs)! Você só precisa ter um pouco de familiaridade com a língua inglesa, mas a pronúncia dele flui fácil, até mesmo pros ouvidos “enferrujados” desse que vos escreve.

Resumindo, é uma fonte abundante de informação e boa música. Não foram poucas as vezes em que assisti os videos dele com um bloco de notas aberto, anotando o nome de cada disco e cada artista por ele apresentado, e indo caçar os respectivos links logo depois. No fim desse post, deixei alguns videos e os links dos canais no YT.

Keep it in the groove!






Teddy possui dois canais no utube: um é o vinyliciouness, que já não é mais atualizado tem um tempo, mas é onde estão a maioria dos videos. O outro é o eat.sleep.vinyl, onde ele posta seus videos mais recentes. 


  

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Tesouros do Bacião III

Antes de falar sobre o disco desse 3º episódio, vou confessar um pecado: eu tenho uma tremenda má vontade com a música pop dos anos 80. Vá lá, gosto de algumas coisas feitas por aquela turma do pós-punk, new wave e tals, mas o tal do synth-pop nunca me desceu (sorry, fãs do A-ha, Eurythmics e afins. Não me odeiem nem deixem de acompanhar meu humilde blog). As coisas que ouço desse período são justamente as que foram na contramão desse estilo, tal como o rock mais direto do Jam, Echo & The Bunnymen, Police, enfim, bandas que faziam um rock mais direto ao ponto e um som essencialmente “acústico”, sem descambar totalmente pros sons eletrônicos e sintetizados daquele período e que, assim, sobreviveram melhor à passagem do tempo. E, entre essas bandas, destaco os Waterboys.

Mike Scott

Liderado pelo “cantautor” e único membro constante em todas as formações da banda, Mike Scott, os Waterboys iniciaram suas atividades em 1981. Scott (nascido a 14 de dezembro de 1958), como quase todos da sua geração, começou seu envolvimento com a música durante a explosão do punk na Inglaterra, editando o fanzine Jungleland e fazendo parte de várias bandas locais. Depois de terminar a faculdade, onde estudou filosofia e Inglês, Scott se mudou para Londres com a sua então banda Another Pretty Face. Finda as atividades do Pretty Face, Scott forma a banda The Waterboys, nome esse inspirado na canção de Lou Reed “The Kids” (And I am the water boy/ The real game is not over here), junto com o multi-instrumentista Anthony Thistlethwaite e o baterista Kevin Wilkinson e lançam seu primeiro disco homônimo em 1983.

 
Para a gravação dos álbuns seguintes, A Pagan Place (1984) e This Is The Sea (1985, disco que tem o que talvez seja o maior hit da banda, “The Whole Of The Moon”), entram na formação o tecladista Karl Wallinger e o trumpetista Roddy Lorimer. E, algo que é característico do som dos Waterboys é a grandiosidade da sua música. Arranjos que beiram o épico, canções que às vezes ultrapassam a barreira dos 5 minutos, letras de alto teor poético, fazem a banda distinta de seus contemporâneos. Mas a banda passaria por mudanças e registraria o que é, pra mim, seu melhor trabalho.

The Waterboys - Fisherman's Blues (1988)

  
Após o lançamento de This Is The Sea, o tecladista Karl Wallinger deixa o grupo. Nisso, Scott e Thistlethwaite partem para a Irlanda, onde tem contato com a música folk local e recrutam os músicos irlandeses Steve Wickham (fiddle), Dave Ruffy (bateria), Guy Chambers (teclados) e Marco Weissman (baixo), resultando no som embebido em folk de Fisherman's Blues. Um disco soberbo, recheado de grandes canções e clássicos instantâneos como a faixa-título, “We Will Not Be Lovers”, “A Bang On The Ear”, uma regravação digníssima da “Sweet Thing” de Van Morrison, enfim, um dos melhores discos produzidos na década de 80 e que não envelheceu. E, como muita coisa do pop desse período, é um vinil fácil de achar, com exemplares sendo vendidos a um preço médio de R$ 20,00. Um “Tesouro” legítimo.

  




 


sábado, 10 de outubro de 2015

Tesouros do Bacião II

O tesouro da vez está longe de ser um disco subestimado – muito pelo contrário – mas é um disco cujos exemplares ainda são encontrados com facilidade, e a preços muito baixos. Mas, antes de falar do disco, vou tentar contar resumidamente um pouco da história do nosso herói de hoje.

  
Nascido em Avranches, França, a 29 de setembro de 1942, Jean-Luc Ponty é, junto de Stephane Grappelli, um dos maiores nomes do violino jazz a surgir naquele país. Músico de formação clássica, Ponty iniciou seu envolvimento com o jazz, por influência de Grappelli, ainda adolescente, curiosamente não como violinista, mas tocando clarinete e sax tenor. A adoção em definitivo do violino como seu instrumento principal se daria a partir de 1962. Após servir ao Exército Francês entre 1962 e 64, Ponty mergulhou de cabeça no jazz, liderando quartetos e trios na Europa, entre eles o Violin Summit, ao lado de Grappelli e Svend Asmussen. Em 1967, faz sua primeira viagem aos EUA, onde tem seu primeiro contato com Frank Zappa.

  The Mothers Of Invention. Ponty é primeiro à direita, em pé.

Ponty gravou com Frank Zappa e o Trio de George Duke antes de retornar à França, em 1969, e formar o seu combo de free jazz Jean-Luc Ponty Experience, que durou até 1972. Logo depois, Ponty retornou aos EUA e fez parte de uma das formações do Mothers Of Invention. Em 1974 e 1975, Ponty também fez parte da segunda formação da Mahavishnu Orchestra, ao lado de John McLaughlin. Em 1975, Ponty assina com a Atlantic Records e inicia uma série de álbuns que se tornariam clássicos absolutos do gênero jazz/ fusion.

  Jean-Luc Ponty em ação na Mahavishnu Orchestra, com John McLaughlin.

Jean-Luc Ponty é conhecido por expandir os limites e possibilidades do violino elétrico, sempre se valendo de timbres pouco usuais e uma infinidade de efeitos, como pedais de wah-wah, processadores Echoplex, distorções etc. E tudo com extremo bom gosto e técnica apuradíssima, e isso é muito evidente nesses primeiros discos dele pela Atlantic, principalmente o quarto disco dele pelo selo, que é o tesouro do bacião de hoje.

Jean-Luc Ponty – Enigmatic Ocean (1977)  


Durante esses primeiros anos dele na Atlantic, entre 1975 e 1983, Ponty seguiu fazendo um estilo de fusion bem comum ao que era feito na Mahavishnu Orchestra, porém seguindo um caminho mais melódico e lírico, mas não menos empolgante. E o Enigmatic Ocean é o disco que melhor traduz esse idioma. Aqui, Ponty é acompanhado de uma super banda, que conta com o “guitar hero” Allan Holdsworth (que já tocou em uma das muitas formações do Soft Machine e tem uma carreira solo brilhante, recomendo irem atrás), Daryl Struermer fazendo guitarra rítmica e solo, Ralphe Armstrong no baixo (que também foi seu colega na Mahavishnu), Allan Zavod nos teclados e Steve Smith na bateria e percussão. Algumas das faixas, como a suíte que dá nome ao disco, ultrapassam os 10 minutos, mas nem de longe é uma audição cansativa. Cada audição se descobre algo diferente, um timbre novo, novos detalhes, enfim, deleite puro. Arrisco dizer, sem medo de cometer injustiças, que esse é meu disco favorito do Ponty, mesmo ele tendo feito outros discaços antes e depois, como o Aurora (1975) e Imaginary Voyage (1976), todos esses também facilmente encontráveis. Portanto, fica a dica: se ver um exemplar do Enigmatic Ocean – ou qualquer outro disco do Ponty – dando sopa nos sebos da vida, não pense duas vezes. “Eargasm” garantido.




quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Tesouros do Bacião

Hi, fellas!

Após um longo e tenebroso inverno cheio de trabalho e compromissos e vazio de ideias, retomo os trabalhos nesse humilde espaço pra falar sobre aquilo que me move desde que me conheço por gente: música. E, hoje, começo uma série que tem como objetivo falar sobre discos muito legais, mas que são subestimados ou que ficam esquecidos nos “baciões” dos sebos e são vendidos a preços ridículos.


Inicio então com um disco clássico da música brasileira:

Zizi Possi – Sobre Todas As Coisas (1991)


Vamos voltar uns dois anos antes do lançamento desse disco, 1989, quando Zizi lançou o álbum “Estrebucha Baby”. Um disco totalmente fora dos padrões do “pop de FM” que a cantora havia feito pela Polygram até então, com repertório mais sofisticado e arranjos elaborados. Lembremos que essa era a época do estouro da lambada e do sertanejo, e a MPB já não vivia seus melhores dias, mercadologicamente falando. Consequentemente, “Estrebucha Baby” foi um fracasso de vendas, resultando na saída de Zizi Possi da Polygram. 1989 foi também o ano de outros rompimentos na vida da cantora, como o fim do seu casamento com o produtor Luiz Gadelha e seu retorno a sua cidade natal, São Paulo.


Em 1990, Zizi Possi estréia o espetáculo “Sobre Todas as Coisas”, que resultaria no disco de mesmo nome, no ano seguinte. Tanto o show quanto o disco são exemplos claros de que “menos” pode ser “mais”. Zizi é acompanhada de uma formação enxutíssima, apenas percussão (muitas vezes apenas pandeiro, magistralmente tocado por Marcos Suzano), violoncelo, violão e charango (pilotados por Lui Coimbra) e piano (tocados, no disco, por Jetter Garotti, Alex Meirelles e Pier Francesco Maestrinni). E um repertório escolhido a dedo: aqui encontramos interpretações sublimes de clássicos como “Com Que Roupa”, “Sentimental Demais”, “Rebento” e “O Que É O Que É”. Lançado pelo pequeno selo Eldorado, o disco foi um surpreendente sucesso de público e crítica, ganhando vários prêmios. Enfim, um disco clássico da música brasileira que (graças a Deus!) ainda não ganhou o “hype” de raridade e ainda se acha a preços muitos interessantes nos sebos pelaí. Imperdível!